segunda-feira, 20 de julho de 2009

Trabalho Infantil Doméstico

Trabalho infantil atinge mais de 100 mil no Pará

Texto: Cristina Trindade

Fotos: Lurdinha Rodrigues

Todos os sábados, ele atravessa a pé três bairros da cidade. Sai do Jurunas, no final da manhã, cruza a Batista Campos e alcança a Cidade Velha, retornando para casa, lá pelas 9 da noite. Ele é Fabricio Alan, 12 anos, vendedor de amendoim. "Tem que vim a pé, porque nem toda vez o motora deixa entrar pela frente. Prá vender tudo, tem que ficar até de noite", conta o menino. Fabrício é só uma das mais de cem mil crianças paraenses mergulhados no mundo cruel do trabalho infantil. De acordo com o IBGE, em todo o Brasil elas são mais de 5 milhões. São vistas todos os dias e a qualquer hora. No comércio informal de rua vendendo guloseimas, nas portas de bares e boates guardando carros e principalmente no interior das residências, presas ao trabalho doméstico.

"É muito complexa essa questão do trabalho infantil. Porque mesmo que se trabalhe com os pais para ajudar na renda familiar, já se assume responsabilidades, o que caracteriza uma situação de exploração da criança. O trabalho doméstico é ainda mais grave, porque é um mundo silenciado pela própria sociedade e de difícil acesso", afirma o pesquisador Dirk Oesselmann, do Grupo de Estudos e Pesquisa da Infância e Adolescência do Centro Sócio-Econômico da UFPA. "Os riscos do trabalho infantil são evidentes na educação e na saúde. No primeiro, a criança, quando não deixa a escola, tem a aprendizagem comprometida. Na saúde, os problemas decorrem das atividades em sua maioria incompatíveis com a constituição física", explica a assistente social Lília Cavalcante, uma das coordenadoras do Gepia.

O grupo foi criado em 1998, e já se tornou uma referência na Amazônia para a investigação dos aspectos relacionados à temática infância e adolescência. Atuando em parceria com as instituições que integram a rede de serviços, pesquisa e informação para a infância e adolescência, o Gepia integra o comitê assessor do Projeto de Erradicação e Enfrentamento ao Trabalho Infantil Doméstico da Organização Internacional do Trabalho.

"O Gepia tem a sua origem no curso de Mestrado em Serviço Social, mas não é só atrelado a um olhar social. Um estudo sobre trabalho infantil tem que privilegiar diferentes enfoques, já que a temática se constitui objeto de estudo de diferentes ciências. Nossa proposta é promover e divulgar pesquisas que criem interfaces entre as diferentes áreas", esclarece a professora Lília Cavalcante.

Para o pesquisador Dirk, o grande desafio, que também é motivação para o Gepia, é manter diálogo com as diversas instituições que produzem conhecimento sobre infância e adolescência. "Precisamos sair da fragmentação de conhecimento e construir um quadro amplo sobre a criança e o adolescente em Belém e na Amazônia, subsidiando concretamente as ações de mudança e transformação", diz ele.

Das reuniões do Gepia, realizadas toda última sexta-feira do mês, participam instituições que produzem o conhecimento, como a Unama, e também as entidades que executam políticas públicas na área da infância e da adolescência, como a Funcap, Funpapa e Ministério Público, além das Ongs. "A construção das relações com nossos parceiros externos têm sido fáceis, mas no âmbito da UFPA, ainda encontramos dificuldade para envolver todas as iniciativas da graduação e da pós, nessa área", lamenta a professora Lília.

Meninas são a maioria no trabalho infantil doméstico

No estado do Pará, mais de 25 mil crianças estão envolvidas com o trabalho infantil doméstico (TID) Os estudos mostram que cerca de 90 a 95% são meninas ou adolescente do sexo feminino. A socióloga Maria Luiza Lamarão, representante do Gepia no Projeto de Erradicação e Enfrentamento do Trabalho Infantil Doméstico, executado no Pará pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca/Emaús), explica que �o que traz a menina para o trabalho doméstico na capital é a situação de pobreza, o desejo de mobilidade social. Ela pertence a família do interior, ou de bairros periféricos e até de Estados vizinhos. Entre as conseqüências do TID, a ruptura dos vínculos familiares com o afastamento da comunidade e das suas origens como um todo, é o problema menos evidente, mas com certeza é o mais grave e mais complexo�, explica Luiza.

A atuação do Gepia no projeto se dá através da divulgação do Programa em todo o Estado. Em Soure e Salvaterra, região onde é grande o número de meninas mandadas para a capital, o grupo tem o apoio do campus da UFPA e da prefeitura municipal.

Com o apoio dos parceiros, 302 meninas com idade entre 9 e 17 anos já foram retiradas do trabalho doméstico e encaminhadas para o programa Bolsa Escola. Dez meninas tornaram-se bolsistas do próprio projeto. Participam de oficinas sócio-educativas, de confecção de bijouterias, reciclagem e artesanato, além de cursos profissionalizantes. São realizadas também oficinas com os pais para reforço das relações familiares.

A convivência com essas meninas resultou na publicação Mosaico de Estrelas, um relato sobre as estórias de dor, de abandono, de abuso sexual, de todo tipo de discriminação que elas sofrem no processo de inserção do trabalho doméstico. A autoria é de Lília Cavalcante, Maria Luiza Lamarão e da terapeuta corporal Fátima Freire.

Pará- o campeão em trabalho escravo

Pará, o campeão nacional de trabalho escravo

Estima-se que existam hoje no Brasil cerca de 30 mil trabalhadores submetidos a condições de trabalho escravo. Destes, 70% estariam concentrados no Estado do Pará, o que confere ao nosso estado o triste título de "campeão nacional de trabalho escravo". A maioria das ocorrências de trabalho escravo no Pará foram localizadas, particularmente, em São Félix do Xingu e Santana do Araguaia, mas também em outros municípios do sul e sudeste do estado.

Segundo estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego, em 2000 foram registrados no Brasil 465 casos de trabalhadores escravos libertados após denúncias, em 2001 foram 2.416 casos e em 2002, 4.143 casos. No ano passado, foram 5.659 trabalhadores rurais, sendo 2.546 somente no estado do Pará.

O trabalho escravo contemporâneo pode ser caracterizado como aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes e o impede de desvincular-se de seu "contrato".

A retenção de salários, a violência física e moral, a fraude, o aliciamento, o sistema de acumulação de dívidas (principal instrumento de aprisionamento do trabalhador), as jornadas de trabalho longas, a supressão da liberdade de ir e vir, o não-fornecimento de equipamentos de proteção, a inexistência de atendimento médico, a situação de adoecimento, o fornecimento de água e alimentação inadequadas para consumo humano, entre outros, são elementos associados ao trabalho escravo contemporâneo.

Pode-se apontar que é na forma histórica de ocupação e de exploração do campo brasileiro e particularmente da Amazônia que se encontram as principais causas do trabalho escravo contemporâneo. E se a reforma agrária deve ser entendida como a ferramenta mais eficaz e duradoura para o combate ao trabalho escravo, diferentes outras ações devem ser desenvolvidas.

Desde o ano passado, quando foi deflagrada a Campanha Estadual pela Erradicação do Trabalho Escravo, vêm sendo empreendidas em nosso estado diferentes ações, fiscalizatórias, repressivas, educativas e assistenciais que convergem para o objetivo de erradicação do trabalho escravo. A UFPA tem participado da coordenação desta campanha produzindo materiais educativos, desenvolvendo ações de pesquisa (constituindo um banco de imagens e sistematizando a produção bibliográfica existente sobre o tema), promovendo ações educativas, organizando uma publicação e empreendendo outras ações específicas, como o encaminhamento de produção de um filme curta-metragem focando o tema, além de articular-se às demais ações da campanha.

Muitas são as tarefas e atividades possíveis de serem desenvolvidas pela comunidade acadêmica da UFPA. Muitos são os dados existentes que precisam ser organizados e analisados, à luz da pedagogia, da sociologia, da psicologia, da assistência social, das ciências jurídicas, da medicina, da economia, enfim, das diferentes disciplinas que podem ajudar a explicar e, assim, combater a prática do trabalho escravo em nosso estado.

Fazemos um convite, portanto, à comunidade universitária para que se mobilize em torno deste objetivo que tem o significado de luta contra a mortificação e a degradação humana.

Liberar o homem da escravidão pelo trabalho e o trabalho do significado de mortificação e tortura faz parte de uma pauta mais ampla de conquistas sociais tendo em vista a ressignificação desta atividade que tem a função histórica de promover o homem como ser autônomo, criativo e de solidariedade.

Ronaldo Marcos de Lima Araujo
Professor da UFPA(rlima@ufpa.br)

Trabalho escravo no Pará